Muita gente supõe que os seres humanos são os únicos animais que obtêm
prazer do sexo e, como consequência, os únicos a praticar a masturbação.
Estudos observacionais mostram, no entanto, que a prática é bem comum, e
não apenas entre os primatas, nossos "primos" na árvore evolutiva.
Muitos mamíferos estimulam cultivam o hábito, inclusive quando têm
parceiros disponíveis para o acasalamento. E a lista vai além, incluindo
pássaros e até esquilos.
Encontrar um macaco esfregando os
genitais em algum tronco no zoológico não é algo exatamente agradável,
mas pode trazer algumas constatações interessantes sobre os animais e
até sobre nossa própria espécie. "Muitos primatas se masturbam,
principalmente os machos", conta o primatólogo Frans de Waal, da
Universidade Emory, nos Estados Unidos. "Mas eu sempre achei que o fato
de as fêmeas de chimpanzés e bonobos se masturbarem um ótimo argumento
contra a ideia de que as fêmeas da espécie humana seriam as únicas a ter
orgasmo. Se não houvesse prazer associado, elas não teriam motivo para
fazer isso", completa o estudioso, autor de "Eu, primata - Por que somos
como somos" (Ed. Companhia das Letras).
Bonobos
De Waal diz não conhecer nenhum estudo científico específico sobre o
tema, assim como a primatóloga brasileira Cristina Santos, ex-professora
da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 14 anos de trabalho com
saguis, macacos-pregos, muriquis e micos-leões, ela nunca observou nada
parecido com a masturbação entre essas espécies. Mas ela pondera que
animais isolados em cativeiro podem adquirir manias, como a de tocar o
próprio genital ou coçar a cabeça o tempo todo.
A primatóloga, contudo, não ficaria surpresa se pegasse um bonobo no
flagra. Essa sub-espécie de chimpanzé da África é, digamos assim,
incansável. O fato de esses bichos terem relações várias vezes ao dia
permitiu que cientistas como De Waal pudessem estudar à vontade seu
comportamento sexual. E eles descobriram que os bonobos fazem sexo pelos
mais diferentes motivos: para se cumprimentar, para estreitar laços e
até para se reconciliar depois de uma briga (você se identificou?).
O etólogo (estudioso do comportamento animal) Jonathan Balcombe, autor
do livro "The exultant ark - A pictorial tour of animal pleasure" ("A
arca exultante - Um passeio pictórico pelo prazer animal", em tradução
livre), também ressalta que a presença do clitóris em muitos mamíferos é
uma evidência de que "as" primatas têm orgasmo. Segundo ele, é comum
encontrar bonobos fêmeas esfregando o genital uma na outra. Depois de
alguns segundos, elas gritam e ficam com a estrutura ingurgitada, ou
seja, com volume aumentado pelo fluxo de sangue.
Cães e cavalos
Se um riso malicioso é uma reação frequente ao se usar o termo "sexo
animal", comportamentos como masturbação e ereção espontânea nos animais
domésticos costumam gerar mais constrangimento. Não faltam consultas a
especialistas com o objetivo de acabar com o hábito impróprio que alguns
cachorros têm de atacar as pernas das visitas, ou de sujar as almofadas
da sala. Assim como eles, os gatos também gostam de praticar a
autofelação, ou seja, lambem os próprios genitais.
Segundo o
site da Sociedade Americana Para a Prevenção da Crueldade Contra Animais
(ASPCA, em inglês), atos desse tipo devem ser encarados com
naturalidade, assim como o montar dos animais em outros - uma forma de
se mostrarem donos do território ou, simplesmente, um treino para não
perder a capacidade. Mas, em muitos casos, a masturbação de cães e gatos
pode se tornar compulsiva, em resposta ao estresse, e nesse caso a
entidade sugere que se busque, mesmo, a orientação de um profissional
especializado em comportamento animal.
Vale mencionar um
trabalho da Faculdade de Veterinária da Universidade da Pennsylvania,
que trata de ereções periódicas e movimentos penianos dos cavalos e de
outros equídeos. Os pesquisadores, no estudo, comentam que isso costuma
ser encarado como aberração e que os animais são impedidos pelos
criadores de executá-los. O resultado? Os bichos reagem com aumento da
frequência ou distúrbios no comportamento reprodutivo.
Um dos
primeiros pesquisadores a mencionar a masturbação animal na literatura
científica foi o sexólogo Havelock Ellis. Em 1927, ele publicou seus
"Estudos Sobre a Psicologia do Sexo", no qual documentava a prática de
autoerotismo entre bois, cabras, carneiros, furões, camelos, elefantes e
até hienas. Ele já observava que muitos desses bichos se esfregam em
pedras ou outros objetos para, supostamente, obter prazer, enquanto
outros chegam a praticar a masturbação mútua, lambendo os genitais um do
outro.
Outro etólogo, Bruce Bagemihl, autor de "Biological
exuberance - Animal Homosexuality and Natural Diversity" ("Exuberância
biológica - Homossexualidade animal e diversidade natural", em tradução
livre), ainda cita leões, morcegos, morsas e golfinhos. Outros
estudiosos também já mencionaram o fato de esses cetáceos praticarem a
masturbação com enguias enroladas ao pênis. Também há registros de
tartarugas e porcos-espinhos esfregando os genitais em objetos e de
pássaros que tentam copular com montes de grama ou de terra.
Até esquilos
Ainda não se convenceu? Então pense que talvez exista um motivo nobre
por trás da masturbação, algo que explique a vantagem desse
comportamento no contexto da evolução. A zoóloga Jane Waterman, da
Universidade da Flórida, nos EUA, é uma das cientistas que acredita
nessa hipótese. Ela passou cerca de 2.000 horas observando esquilos
selvagens, na Naníbia, e viu com os próprios olhos como esses animais
fofinhos praticam autofelação e se masturbam com as patas dianteiras.
Em um artigo publicado no periódico PLoS ONE, Waterman explica que
muitos pesquisadores acham que a masturbação não tem nenhuma função
adaptativa - é somente um efeito colateral da intensa excitação gerada
pelo constante acasalamento. Outros defendem que a prática ajuda a
limpar os testículos dos machos, tornando os novos espermatozoides mais
"eficientes" para a fecundação.
Segundo as observações da
pesquisadora, os esquilos machos se masturbam com maior frequência
quando as fêmeas estão prontas para acasalar. Os dominantes do grupo são
muito mais propensos a conseguir o feito do que os subordinados, e, por
incrível que pareça, eles também são os que mais praticam a
masturbação.
Outro fato curioso é que os esquilos se estimulam
depois de copular, e não antes, o que derruba a tese de que o ato teria a
função de melhorar a qualidade das células reprodutivas. Muitos seres
humanos, inclusive, tendem a se masturbar mais nas fases em que estão
mais ativos sexualmente.
Juntando todas as informações, Waterman
aposta em uma terceira possível explicação para o autoerotismo: a
prática seria uma forma de "limpar" os genitais após as relações e,
assim, prevenir doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Experimentos
com ratos já provaram que isso funciona.
Humanos costumam ter
vontade de fazer xixi depois de transar (talvez pelo mesmo motivo), mas
os esquilos, que são programados para guardar água por mais tempo na
savana, usariam a masturbação para fazer a faxina.
Embora
estudos nesse campo despertem a curiosidade das pessoas, é preciso
lembrar que, infelizmente, ninguém pode ter certeza do que sentem os
animais, já que nenhum deles até hoje sentou para dar um depoimento.
Quem sabe no futuro os neurocientistas poderão entender, com ajuda de
exames de imagem, o que acontece no cérebro dos bichos durante essas
práticas que chamamos de masturbação. Só então será possível saber se as
sensações são semelhantes às nossas. Difícil vai ser fazê-los simular o
comportamento no laboratório, dentro de um aparelho de ressonância
magnética, como muitos humanos já toparam fazer em prol da ciência.
Tatiana Pronin
Do UOL, em São Paulo (SP)
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