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Quanto maior a dose, mais sensível à dor seu corpo pode ficar

Você pode nunca ter ouvido falar, mas um fenômeno deixa cientistas
perplexos: a hiperalgesia induzida por opiáceos. Ele não é nada mais do
que uma sensibilidade exagerada à dor em pessoas que tomam drogas
derivadas do ópio e cuja função é exatamente amenizar dores (entre as
substâncias, estão morfina, metadona, oxicodona, codeína, heroína etc.).
Alguns estudos pelo mundo tentam entender o que ocorre no corpo para gerar esta reação, como mostra o site da revista Science.
Quando citamos reação exagerada à dor, não é pouca coisa. Em um estudo
na Austrália em que a pessoa deveria mergulhar a mão em água gelada, um
pesquisador deixou seu braço por dois minutos no recipiente. Já
pacientes que tomavam metadona duraram, em média, 15 segundos. Em altas
doses, analgésicos à base de ópio ampliam a dor ao mudar os sinais
emitidos para o sistema nervoso central.
Imagine se todas as medicações para diabéticos aumentassem o açúcar no sangue em vez de diminuir" Jianren Mao, pesquisador de dor no Hospital Geral de Massachusetts, nos EUA
A relação feita por Mao, que estuda a hiperalgesia em humanos e
roedores há mais de 20 anos, é a mesma do que ocorre com os opiáceos. O
cientista é um dos poucos interessados em estudar o fenômeno em meio a
uma epidemia de uso de opiáceos bastante discutida em países como os
Estados Unidos.
No fundo, a sensibilidade extrema à dor faz
sentido, pelo menos para alguns especialistas. O corpo humano tem a
necessidade de sentir dor e ela deve ser preservada, como explica o
anestesiologista e farmacologista Martin Angst, da Universidade de
Stanford. Afinal, para ele, a natureza não inventou a dor apenas para
nos torturar.
A sua biologia ataca de volta e diz: 'eu
estou vendada para a dor por causa de todos esses químicos. Eu preciso
ser capaz de sentir dor de novo''"Martin Angst
O argumento de Angst tem sentido: a dor serve para recuarmos de um
fogão quente ou não mexer uma perna lesionada enquanto ela se recupera.
Nos momentos em que é crucial que não sintamos dor – por exemplo, quando
nossa vida está em jogo e precisamos correr de uma situação -, o
próprio corpo tem uma maneira de passar por cima dela, liberando seus
próprios opiáceos que bloqueiam a dor.
O médico Jianren Mao foi
um dos primeiros a investigar a hiperagelsia – em 94, já identificou que
a sensitividade em ratos mudava dependendo da dose de substâncias que
tomavam. Nos anos 2000, com médicos considerando seguro receitar
medicamentos à base de opiáceos para dores crônicas, Mao passou a dar
especial atenção à crescente população de pacientes.
Nas últimas
duas décadas, o número de mortos por opiáceos prescritos nos Estados
Unidos quadruplicou, atingindo 21 mil em 2014 – as overdoses aumentaram
assim como as receitas. Há ainda quem use substâncias para fins
recreativos, como a heroína. Em altas doses, os opiáceos podem matar,
especialmente quando combinados com álcool ou outras drogas.
Não
sei se você pode considerar exemplar um médico que esteja fazendo mais
mal aos seres humanos do que nós alcançamos com a forma liberal de
prescrever opiáceos" David Clark, anestesiologista em Stanford
A hiperagelsia investigada por Mao pode ter boa culpa nas mortes. As
pessoas podem procurar doses maiores à medida em que sua dor piora – e o
médico aumenta a dose, quando o certo deveria ser diminuir.
O
número de pessoas que têm a hiperagelsia induzida por opiáceo e a dose
que tomam de medicamento ainda são incertos. Por envolver tolerâncias, o
fenômeno segue bem difícil de diagnosticar e controlar.
Do UOL, em São Paulo
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